quinta-feira, 19 de maio de 2011

memory doesn´t work

abri meu passado na tela. e é isso que ficou de mim na sua memória. eu um fantasma / num click de polaroid / que não deu certo / que você tentou recuperar / esfregando a foto / num caderno de diário / e lá me estampou. aquele dia não tinha sido tão triste assim, como está agora lá eternizado. cinza nublado esquecido momento foto da família. aquele dia foi o nosso primeiro dia na nossa primeira casa. eu estava pintando a parede, nua, com uma escada, e você me trouxe um buque de rosas vermelhas todas vermelhas e disse
senta aí com as flores, vou te fotografar.
e você, apesar de viver disso, nunca tinha feito nenhuma foto minha, ou se tinha feito, pelo menos para mim essa significava a primeira foto no primeiro dia na primeira casa. a primeira foto, digo, porque o seu gesto foi gentil, foi de doação, palavra difícil no nosso dicionário. você se incluiu de alguma forma naquele momento, você veio até mim, e eu te respeitei por isso. abri meu passado na sua página e está lá uma foto de técnica impecável
és mesmo um artista, um criador,
uma imagem linda mas horrorosa, porque você me desfigurou, a mim e ao ambiente,
sei que odeias photoshop,
por isso vou à forra, passou photoshop, passou photoshop, passou photoshop, muito muito muito photoshop e o cenário se gastou, tinta verde morta e esquema gris derretendo escada abaixo, pelo meu corpinho nu magro e consumido de paixão doentia, louca e suicida. as linhas horizontais da moleskine tornaram-se verticais para receber a imagem e o desenho delas, de tinta preta mais forte que a estampa, me colocam como que presa numa cela, e é como se aquilo tivesse acontecido num passado muito remoto, aliás fora do tempo, porque eu nem sequer estou amarelada como estão as pessoas velhas nas fotos velhas, eu não estou sequer amarelada, eu estou numa cor inexistente. e estou presa, para sempre, atrás das grades listras de um journal.
presa do amor, tu
sei que assim você diria. de algum amor meu delirantemente inventado, de um amor enorme que tive para te dar e tenho. e a borda inferior da foto está como que queimada, como se queimada, mas o fogo como que apagado a tempo de não danificar tudo. tudo aquilo. e as flores viraram um borrão de não sei o quê.
abri meu passado, foi isso que nós fomos: um borrão de não sei o quê.
exposto num evento chamado processo.
numa galeria na europa.

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