terça-feira, 22 de novembro de 2011

Notas da Casa Nova

Tempo de olhar, de esperar,
de silêncio.

Gestar
mais que 9 meses, toda uma vida
idéias livros discos encontros viagens amor de verdade
a própria verdade

Porque agora eu tenho mais tempo,
que ilusões

Tempo não contraído, nem expandido
apenas existente
inteiro, como deve ser
o tempo como deve ser

A passagem das horas, como deve ser
da semente ao fruto
O trem, da chegada à partida
como deve ser

Agora eu estou pronta
para ir a Itaca
como deve ser?

Porque agora eu tenho mais tempo
que ilusões.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

To Joseph

Far away, far away
Far away from here (2x)

Lips I would kiss
Hands I would hold
Ignorance is bliss
Rings made of gold

[18:58:34] Myle: She is somewhere past / Far away from pain /  She said we shall not live in vain

Close, close

[18:59:16] Myle: Dreams to pursue / Stories to be told / Beyond this world and others /
Others fields of gold
[18:59:52] Myle: She was taking cocaine / Deceiving herself calling it her bliss / She said we shall not live in vain

terça-feira, 27 de setembro de 2011



A CARRUAGEM

Amanhã de manhã
cedinho recomeçar
A carruagem bateu à porta
o rei e a rainha vão jogar

Amanhã de manhã
cedinho é movimentar

Não serei mais vítima
nem darei meu reino
assim por nada

Não me entrego mais
nem dou meu reino
pelas beiradas

Não entrego o jogo
o rei e a rainha vão entrar
amanhã de manhã
na carruagem

Eu sou o que serei
nada tudo vai mudar
é a viagem

Um dia o bobo da corte
me puxou para dançar
ele disse:

Acorda para a vida, princesa
a carruagem chegou
vai te levar

Amanhã de manhã
hey princesa
princesa hey

Eu já sou o que serei

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Aniversário

Agora você vai e eu vou fechar
os olhos e encontrar escuro escuro
tudo muito preto, cinza, neve
frio enquanto antes eu nem posso
me lembrar antes era você e ela
eu sem saber agora o seu sorriso
será que você vai chorar?
será que você vai chorar de novo porque
você quebrado e os pedacinhos, um
a um, agora você vai chegar eu
vou fechar os olhos e me encontrar

ainda que você pergunte são muitos
anos luz à frente?

30 de agosto de 2005

E afinal encontrei um amigo seu cortei meu cabelo levava a tesoura dentro da bolsa e perguntei numa festa de aniversário quem poderia fazer-me este favor afinal encontrei o amigo e disse-lhe que passa com aquele rapaz tens notícias qualquer uma não tinha não tinha que pena o tal poema que gostaria de lhe entregar através do tal amigo que me arrependi muito depois do que falou minha língua e eu beijei um outro na frente de todos eles os amigos

Agora o sol está batendo forte sobre o Tejo e eu navego para o outro lado do rio a terceira margem nosso pai só faço pensar em ti e reler ler ler o que me escreveste e ver ver ver todas as fotos e vídeos que gravamos eu filmei você indo longe demais indo assim caminhando anônimo entre os peões

e depois captava minha boca a dizer saudade havia também um outro no qual você me beijava no pescoço timidamente seus olhos exalavam mistério a respeito da quantidade de afeto que poderia me ceder gratuitamente sim geminianos acho que pensam assim eu vou fazer trinta amanhã

Notas para nome de um livro

Rascunhos de um amor
Ou poemas inúteis
prosa útil só para a autora
Ou a novela
um jogo com dois perdedores
narrativa de um desaparecimento
Ou
eu não estou entendendo!
ou
eu não sei! eu não sei! eu não sei!
Notícias do sétimo andar
Notas sobre Copacabana
Ou diário de uma mulher quase aflita
a ópera do amor inacabado
a chanchada do afeto indefinido
Ou por quê deixou de me amar
se tinhas
O amor que tu me tinhas

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Paixão 2003

Era aquele cheiro estranho, de café, cigarro e solidão que me ligava a ela. Na cesta de compras que ela pedia pelo telefone nunca se via frutas ou verduras, nunca se via nenhum desses produtos naturais tão em voga hoje em dia. No corredor, nosso espaço em comum, não se sentia aquele cheiro de feira de manhã cedinho, cheiro de natureza, de coisa fresca, de flores, de vida. Ela estava mais para o excesso, para os queijos, para as carnes gordas, para o trágico.  Digo isso porque no início eu me incomodava, até acendia uns incensos para espantar aquela energia , sabe ? , sei lá, se eu trouxesse uma moça pra namorar, ia ser chato, não é, não ? , teria que explicar que cheiro era aquele. Não gosto de fofocas, entende ? Procuro manter um bom aspecto, até esses dias gastei uma boa grana comprando o novo perfume da armani, as mulheres gostam, sacou ? Quando o entregador chegava, eu, às vezes, espiava através do olho mágico. Queria vê-la. Ela nunca aparecia. Enfim... Acabei me acostumando com sua, digamos, ausente presença. De sua porta, só o ruído agônico da tv, eternamente ligada, noite e dia, dia e noite. Ninguém a visitava, tampouco a procurava. Eu mesmo só sabia dela pelo que se comentava a boca miúda. Depois de cinco anos aqui estabelecido e sem jamais ter uma vaga idéia de sua fisionomia, comecei a me intrigar. Pode confiar em mim, quando eu fico com a pulga atrás da orelha, alguma coisa vai acontecer! Minha tia sempre dizia : esse rapaz tem um dom , e me pedia pra lhe contar meu sonho da noite anterior, depois corria pra jogar no bicho, ali mesmo, na banca da rainha elisabeth com a nossa senhora. Sempre morei aqui, é meio esquisita essa fauna de tipos exóticos, velhos e putas, mas o tempo passa, o ser humano se acostuma a tudo. Pois bem, descobri  através do porteiro – olha, uma coisa eu aprendi : sempre se informe com os porteiros, eles vivem calados mas sabem de  tudo - que quando atingira 200 quilos, há nove anos atrás, e já não passava pela própria porta - muito menos entrava no elevador - decidira nunca mais sair de casa. Eu moro no 402, é aquele ali de fundos, num apartamento com janelas antigas, acolhedoras, através das quais o Corcovado se mostra inteiro pra mim, me abençoando todas as manhãs. Salve, Oxalá. Nessa cidade de meu deus , vale viver só por benção divina mesmo... Essa violência toda , meu chapa , só me faz querer sair da cidade, quem sabe quando eu me aposentar ?  Eu me apaixonei por esse edifício desde o primeiro momento, adoro velharias , desde pequeno. Além do mais, esse povo metido quer é conforto e luxo, preferindo os apartamentos com toda a tecnologia disponível, câmeras secretas, garagem informatizada , prevenção contra bala perdida, playground pra filharada, coisa e tal, assim consegui negociar com o proprietário um aluguel mais em conta. Isso sem levar em consideração que os dormitórios e demais aposentos são bem maiores, não é, não ? Eu não sou o tipo de homem que gosta de conversar , me sinto muito só, sabe como é a vida, muito trabalho, muita trapaça, pouca diversão, poucos amigos ... Por causa disso, comecei a querer me aproximar dela. No início era uma brincadeira espiritual, eu ando vidrado naquele indiano, deepak chopra,  “ faça o bem, não importa a quem ” . Por exemplo, toda segunda-feira eu devo exercitar a lei da doação. Não sei se você se interessa, mas pela sua teoria, a cada dia da semana , você deve exercitar uma lei específica, dentro de um sistema metafísico esboçado por ele, vou te emprestar o livro, qualquer hora dessas, mas veja, é dois v, vai e volta, viu ? Ou então você pode comprá-lo ali mesmo na barão de ipanema, eles dão desconto, diz que é meu amigo, livro é bom ter em casa, não concorda ? Depois a curiosidade foi aumentando, aumentando,




tornou-se quase uma obsessão, eu precisava saber o que a mantinha viva, eu precisava de sua coragem de viver isolada da realidade, eu queria que ela
fosse a mãe que eu não tive. Nós poderíamos cuidar um do outro, eu sem família, ela também... Quando eu chegasse em casa, de noite, cansado da labuta, nós tomaríamos um chá com bolo de maracujá que vende ali na santa clara, ele vem até com as sementes em cima,  eu contaria pra ela como foi meu dia, quem sabe a convencesse a entrar numa dieta, quem sabe ela emagrecesse e até achasse bom passear pelo posto seis aos domingos, quem sabe ela gostasse de ver a estátua do Drummond - por quê botaram a estátua de costas pro mar? Quem sabe ela  apreciasse poesia e quando nós tomássemos café de manhã, light e sem cafeína, iogurte sem nata, leite sem lactose, pão sem farinha e margarina sem colesterol, eu até lesse pra ela a máquina do mundo, êta poema difícil de entender! Conhece?  Outro poeta que eu acho muito interessante é o João Cabral, esse aí se superou, não é, não ? Quem sabe ela conhecesse profundamente “ psicanálise do açúcar ” e pudéssemos estudá-lo juntos. Dizem que é bom ter um hobby, sobreviver é duro, tem que dar um relax de vez em quando, dar vazão à criatividade. Quem sabe com a minha amizade ela não recuperasse a vontade de viver ? Pois é, foi pensando nisso tudo que nas últimas semanas fui criando coragem. Nesses primeiros dias das águas de março, eu já havia me decidido. Por que o rio de janeiro alagou, pedi pra sair mais cedo do trabalho - e nem vim pela lagoa, eu já sabia que o trânsito por ali devia estar ruim mesmo. Esses governantes não valem nada, me diz? Eu, por mim, só voto porque é obrigatório... Subi as escadas para ganhar mais tempo no ensaio mental da minha apresentação, e também porque o médico falou: faça um exercício de vez em quando, comece aposentando o elevador. Ouvi vozes estranhas já no segundo andar. Rapaz, você não imagina o susto que eu levei. Meu coração quase pulou pra fora da boca. Nosso corredor mede dois metros por dois e meio , mais ou menos, e havia umas sete, oito pessoas nele.  Ela estava morta havia três dias e era preciso quebrar as paredes de seu apartamento pro corpo ser removido . Tijolo por tijolo num desenho lógico. Foi a  fofoqueira do 301 quem estranhou um cheiro ácido durante toda tarde, tocou a campainha, insistiu. Chamou a polícia, arrombaram a porta. Eu a vi pela primeira e única vez, ajudei a carregá-la num lençol escada abaixo. Não conseguia pensar em nada, meus olhos colaram nela e não desgrudaram mais. Entrei em transe , foi mágico, intenso, eu era ela. A rua parou para o espetáculo,  a obesidade mórbida à vista dos transeuntes curiosos,  a espera da ambulância, a burocracia, os porteiros dos prédios vizinhos recordando passagens de sua vida, tivera um grande amor mas fora rejeitada. A imprensa, os jornais sensacionalistas, aquele canal da televisão que só passa baixaria, me diz uma coisa : na televisão só passa porcaria ou sou eu o exigente aqui ?  O povo só quer sensacionalismo, afinal é isso que vende jornal, não é, não ? Agora mesmo o início dessa guerra aí foi anunciado antes mesmo da guerra começar, onde já se viu ? É o fim do mundo! Mas não coloca isso aí, senão vai sujar pra mim, lá no emprego, não quero confusão pro meu lado, gosto de ser assim na minha, político... Depois chegou o delegado, apareceu até um gringo de cabelo punk rosa que tirava fotografias digitais e enviava direto pra Finlândia, do seu laptop. Aí apareceu você, eu pensei cá comigo, esse cara vai vir me entrevistar, não te falei?  Minha intuição é tiro e queda, olha, escreve aí, que eu sou escritor em início de carreira , bota aí: “ para Copacabana, ela seria apenas mais uma personagem de sua estranha história, mas para ele , seu vizinho,  ela era a moça do 401 , a mulher que amou sem saber durante cinco anos e com quem não trocou uma sequer palavra. Viver é muito perigoso ”.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

memory doesn´t work

abri meu passado na tela. e é isso que ficou de mim na sua memória. eu um fantasma / num click de polaroid / que não deu certo / que você tentou recuperar / esfregando a foto / num caderno de diário / e lá me estampou. aquele dia não tinha sido tão triste assim, como está agora lá eternizado. cinza nublado esquecido momento foto da família. aquele dia foi o nosso primeiro dia na nossa primeira casa. eu estava pintando a parede, nua, com uma escada, e você me trouxe um buque de rosas vermelhas todas vermelhas e disse
senta aí com as flores, vou te fotografar.
e você, apesar de viver disso, nunca tinha feito nenhuma foto minha, ou se tinha feito, pelo menos para mim essa significava a primeira foto no primeiro dia na primeira casa. a primeira foto, digo, porque o seu gesto foi gentil, foi de doação, palavra difícil no nosso dicionário. você se incluiu de alguma forma naquele momento, você veio até mim, e eu te respeitei por isso. abri meu passado na sua página e está lá uma foto de técnica impecável
és mesmo um artista, um criador,
uma imagem linda mas horrorosa, porque você me desfigurou, a mim e ao ambiente,
sei que odeias photoshop,
por isso vou à forra, passou photoshop, passou photoshop, passou photoshop, muito muito muito photoshop e o cenário se gastou, tinta verde morta e esquema gris derretendo escada abaixo, pelo meu corpinho nu magro e consumido de paixão doentia, louca e suicida. as linhas horizontais da moleskine tornaram-se verticais para receber a imagem e o desenho delas, de tinta preta mais forte que a estampa, me colocam como que presa numa cela, e é como se aquilo tivesse acontecido num passado muito remoto, aliás fora do tempo, porque eu nem sequer estou amarelada como estão as pessoas velhas nas fotos velhas, eu não estou sequer amarelada, eu estou numa cor inexistente. e estou presa, para sempre, atrás das grades listras de um journal.
presa do amor, tu
sei que assim você diria. de algum amor meu delirantemente inventado, de um amor enorme que tive para te dar e tenho. e a borda inferior da foto está como que queimada, como se queimada, mas o fogo como que apagado a tempo de não danificar tudo. tudo aquilo. e as flores viraram um borrão de não sei o quê.
abri meu passado, foi isso que nós fomos: um borrão de não sei o quê.
exposto num evento chamado processo.
numa galeria na europa.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Madrid

Nunca estive em muitos lugares.

Há acontecimentos escuros e há que se saber
Quando vai amanhecer, se vai...

Tenho temores muito antigos.

Vivo e os revivo a cada milésimo de segundo de respiração
Respiro enquanto a vida pulsa aqui e a morte repulsa lá, vice-versa.

Tirar deles algum coisa proveitável.

Esse é o primeiro dia desse lugar velado
E vou me desencontrar com alguém, num outro país, nas próximas horas.

Nunca estive em muitos lugares
Nunca vi a neve
Nunca usei pele
Mas já me doei muito, e já machuquei-me os outros.

Penso nisso especialmente agora
que queria reaver um tesouro perdido no coração de um homem que me amou, num outro país, em outras horas.

Há acontecimentos escuros.

Através da enorme janela que dá para esse mundo
- estou sentada num banco em Barajas

Vejo Madrid amanhecer.

O retorno ao paraíso

            Ao longo dos séculos XIX e XX muitos sistemas sócio-econômicos viram suas teses e utopias virarem pó diante daquele que veio a se firmar e melhor traduzir o processo de organização da sociedade à época. O capitalismo, em sua origem, parecia ser o modelo ideal para a humanidade, uma vez que permitia aos indivíduos, através de seus próprios esforços, gerarem riqueza para si e, por conseqüência, para os outros. No entanto, algo se perdeu no meio do caminho que nos trouxe a novos tempos e a um novo século. Tinha uma pedra no meio do caminho. Instransponível, ela delimita as duas faces da marca humana: de um lado, a solidariedade sonhada por uma ideologia onde todos poderiam e deveriam buscar sua felicidade e satisfazer seus desejos, e de outro, há anos luz de distância desse ponto, a ganância desmedida dos homens.
Existe um sentimento geral, compartilhado por um número cada vez maior de pessoas de diversas tribos, de que o planeta já não suporta o modelo atual de utilização dos seus recursos. Ao mesmo tempo em que essa sensação de que algo muito importante está sendo irreversivelmente destruído e que se faz necessária a preservação do meio ambiente, os grandes negociantes do planeta seguem impávidos. Colossos de pés de barro. Não por acaso, uma locução de origem bíblica que se aplica a pessoas cujo poder ou prestígio assentam em base frágil. Pois estes senhores continuam apoiando seus negócios na produção frenética de bens de consumo, promovendo uma enorme exclusão social, e na utilização predatória dos já escassos recursos da Terra, sem manter qualquer ética ou responsabilidade pela natureza. Na mesma direção segue também a classe política dominante mundial que, com muito menos dinheiro do que agora investiu para salvar bancos, poderia iniciar grandes mudanças a nível ambiental. Todos sabem que no futuro terão de gastar um dinheiro inexistente, e virtual, quando têm nas mãos, agora, a possibilidade de estabelecer metas e comprometimentos reais para com o planeta.   
E a Terra é tão sábia que promove suas crises de forma interligada, conectada. Mas todos os esforços para a resolução desses problemas parecem se dirigir à salvação de alguns pobres homens ricos em detrimento de toda a espécie humana. Entretanto, já não há mais tempo para criticar. É tempo de buscar soluções. A incapacidade atual do planeta de se auto-sustentar é consenso até para esses pobres homens ricos.

Adão e Eva eram os jardineiros do Éden. Somos seus filhos, viemos para cultivar valores, em todos os sentidos. Somos seus herdeiros, também estamos nós em eterna e constante expulsão do paraíso por ignorância. Também em nós o impulso ao mal, o Ietser Hará, como chamam os cabalistas, nos acompanha desde o berço. Diz Augusto Boal, é tempo de humanizar a humanidade.  É chegado o momento, poderiam dizer os místicos, de uma movimentação de retorno ao Jardim Sagrado. Mas para isso as árvores, ou pelo menos, aquela mais importante, a do Bem e do Mal, deveriam estar vivas, respirando.


O Ciúme

Sempre quando ele se sentava para ler seus e-mails, ela se aproximava de mansinho. Fingia sentir saudades constantes, roubava-lhe um beijo – e ficava com os olhos bem postos nos movimentos dos seus dedos no teclado do computador. Tudo muito disfarçadamente. Com os dias, foi até adquirindo uma técnica pessoal. Às vezes, ela se aproximava para lhe servir um café, às vezes para mostrar uma nova idéia de figurino que montara para o desfile no qual andava trabalhando ultimamente. E foi assim por quatro semanas. Ela monitorava milimetricamente por onde se arrastavam aqueles dedos finos e longos, que lhe tocavam sua alma e seu corpo, e ainda a faziam estremecer, mesmo depois de sete anos de casamento. Seus dedos andavam à esquerda por uma vez - a senha deveria começar por s, f, g? Depois, rolavam deslizantes por mais duas letras à direita – o, l, m? Depois um triplo toque bem ao centro – j, u, b? E foi assim por quatro semanas. Quando ele ia digitar a senha, ela se aproximava. E quando ambos iam dormir, ela se punha a montar e desmontar palavras inexistentes, todo um vocabulário confuso dançava em sua mente, como se o alfabeto estivesse envolto em névoa, letrinhas de fumaça que ora se acumulavam em sua cabeça, turvando-lhe a visão, ora se dissipavam, abrindo possibilidades inexistentes de password, “folgyb”, “riobtv”, “soltun”, “açovjn”.
Quando acordava, mesmo antes de tomar café, seguia decisiva para o laptop, e divagava por todas as possibilidades consideradas mais plausíveis. E, algumas vezes, mesmo no meio da madrugada, corria ao computador, porque uma nova palavra lhe fazia algum sentido, e gritava em seu ouvido, pedindo para existir. Até que um dia, ela acertou. Ela acertou, foram apenas seis toques, e todo o universo virtual dele se abriu pra ela. Ela, um cão farejador de drogas, faminto, viciado. Ele, o ladrão, o traficante, o fraudador. O bandido.
E foi assim que ela descobriu tudo.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

"Esse dia no miradouro da Boca do Inferno", Ruy Belo

"Éramos jovens gostávamos acima de tudo de coisas simples
éramos cerca de trinta rapazes e raparigas
algumas coisas começavam em nós talvez o dia
talvez a vida talvez desajeitados gestos de paz
tínhamos ouvido vagamente falar da noite
onde um dia diziam se dissolveriam as linhas limites dos nossos vultos.
Não havia muitas palavras nas nossas bocas mas no entanto
amávamos o mar a lisa e leve superfície do silêncio a simplicidade das mãos
certos corpos verdes e tensos onde às vezes pensamos que
se situa a nascente da luz
a música da voz o brilho subitamente surpreendente nuns
olhos
coisas acerca das quais alguém a nosso lado falava talvez de
beleza.
Sabíamos muitíssimo pouco é muito difícil saber tão pouco
mas víamos às vezes nuvens sobre as cabeças de algumas pessoas
havia momentos em que nós próprios sentíamos o peso de
certas palavras
mas éramos jovens acima de tudo éramos jovialmente jovens
depressa secava o sangue porventura chamado à periferia
da nossa pele
e seguíamos porque se é certo que quase nada sabíamos
no fundo duvidávamos de que fossem verdadeiras palavras
seriam possivelmente pedras conglomerados de sons onde
o tempo teria cristalizado
coisas cobertas das vestes sombrias do medo tortuosas e tão
complicadas como ideias.
Nossa era a orquestra dos sonoros e suavíssimos instrumentos
das manhãs abertas
como corolas no espaço alegre das nossas frontes
nossa era a convivência das flores bravias
um momento despertas no descampado vasto dos nossos passos.
Habitávamos todos no principio de tudo onde todas as coisas
se nimbam de novidade e são naturais e não têm muito mais
que a inocência de haverem nascido
e parecem pedir desculpa por um dia sobressair acima da terra
e ocupar certo espaço e estar representadas talvez por um
nome nas relações entre os homens .
Opúnhamos ao tempo o peito e o vento vivia na vizinhança
dos nossos gestos
não havia um passado muito para além do discreto relevo dos
nossos ombros
dispúnhamos de um património facilmente inventariável de
ideias
e repousávamos sobre a frágil certeza de que estávamos vivos
e éramos jovens e desenhávamos passos inaugurais no
principio do mundo
e até o mar devia saber alguma coisa de nós
porque o mar parece também ser jovem e começar cada dia
a sua vida surpreendente.
Éramos cerca de trinta havia trinta perfis na madrugada
do mundo
bastava multiplicar por trinta e era assim muito fácil
chegar até nós
e depois era tudo tão simples como principiar.
O espaço da nossa amizade dava para as amplas areias
desertas
era junto do mar que nos sentíamos tão à vontade como o
vento
lá onde a alegria e a música jamais podem perturbar a
harmonia familiar
ou infringir o último parágrafo das leis da cidade interpretadas
mesmo no mais estrito sentido.
Não teríamos mais que a nossa alegria a nossa amizade a nossa
e a juventude
e éramos alegres amigos e jovens como quem é rico ou dispõe
do bastão nodoso da autoridade
ou tem a erudição inerente a quem esteve presente à inauguração
de muitas manhãs.
Esse dias conversámos dançámos tomámos coca-cola e cerveja
conversar dançar beber coca-cola e cerveja era essa noite
a maneira de sermos alegres amigos e jovens
era sermos do tamanho desses momentos em que o tempo roda
e parece quase parar.
A sombra desceu sobre as salas e a nossa amizade era branca
como a manhã
estávamos de pé caminhávamos havia na noite o mar
o mar não era agente da ordem senhora solteira e sozinha
gente bem pensante o mar
não tinha boas maneiras é sempre um grande desajeitado
surgiu na noite na nossa amizade chegou até nós na elevada
estatura daquela onda
levou seis de nós éramos cerca de trinta jovens alegres
um abraço entre nós tinha um tamanho maior que uma sala
maior que uma rua e agora
o tamanho de um abraço entre nós é bastante menor talvez
possa caber
numa sala numa rua qualquer da cidade num parágrafo em corpo
seis de alguma lei
num artigo do estatuto dos bombeiros voluntários de qualquer
vila
na vida pequena de gente bem pensante onde haverá a família
a farda o domingo
onde sobressai a grande aventura do beijo na face rechonchuda
e corada
da continência rasgada do rito escrupulosamente catalogado e
previsto
antes orçamentado e autorizado já através de diversos despachos.
Éramos cerca de trinta contávamos pois com cerca de trinta
não contávamos era com a expansiva talvez indiscreta amizade do
mar."

terça-feira, 3 de maio de 2011

Canção número 4

4:54 a.m. Eu estou dormindo com a Rádio Cultura ligada ao fundo. Paulinho da Viola começa a cantar “Sinal Fechado”, os cellos e violinos interpretam um drama complexo, os personagens se reencontram, o sinal está à espreita, eles pensam, eles falam, eles esperam, eles vão. Acordo. Pego o telefone. Vou ligar, apenas para dizer: está aqui o Paulinho da Viola e eu preciso ouvir a tua voz. Não suspirar. 4:58 a.m. Não vai ser possível. O telefone na mão. A madrugada  em riste. Sempre é tarde, sempre foi tarde pra mim e pra nós. Vou ligar apenas. 4:59 a.m. Caminho até a sala, mas você, você parece que ficou. Então................. no corredor...................... meus passos.................. vão seguir........................ os teus pés. Entãonocorredormeuspassosvãoseguirosteuspés. Entãonocorredormeuspassosvãoseguirosteuspés. Entãonocorredormeuspassosvãoseguirosteuspés. Entãonocorredormeuspassosvãoseguirosteuspés. Teus pés vão até a cozinha. Teu corpo é étereo, e está em todo o lugar. Diz assim a física quântica. Teu corpo no Rio de Janeiro, tua alma nesse momento sonhando quantos mares navegados a navegar. Certamente. Teu corpo na minha casa, eu sonhando. Certamente. Eu pego o violão. 5:01 a.m. Vou escrever a canção número 4 para você. Canção número 1 – Versão De Sinal Fechado Para Conversa De MSN. Canção número 2 - sem nome, ou tem nome? Seria “Sinal Amarelo”, sim, espera, espera. Papelzinho, restaurante árabe, medo de errar, medo de ousar, tudo pairando, como a cor amarela, do ouro, “ o ouro afunda no mar, madeira fica por cima”, will you be?, the sun and the sky, a canção número 2. Vai, fica esse o nome. Pelo menos até eu te beijar de novo. Aí eu mudo o nome, mudo tudo. Viro uma outra coisa, uma borboleta. Viro um gato “e vou tomar aquele velho navio”. Canção número 3 – via facebook, preciso te ver,  adjetivos, tudo “muito”, tudo saudade “muita”, tudo “tanto”, “ tanto”. 5:06 a.m. Vou ligar, mas não consigo. É só uma vontade de nem, uma vontade de coisa nenhuma. “Coisas que só o coração pode entender”. Não posso. Sempre foi tarde. 5:07 a.m. Meus passos nos teus pés no assoalho do corredor que leva à sala. Meuspassosnosteuspésnoassoalhodocorredorquelevaàsala. Meuspassosnosteuspésnoassoalhodocorredorquelevaàsala. Meuspassosnosteuspésnoassoalhodocorredorquelevaàsala. Meuspassosnosteuspésnoassoalhodocorredorquelevaàsala. Amarelinha, a dança. E vem a canção número 4. Para você, que já não está, que está dentro, a física quântica não há de explicar, os corpos quando estão distantes, uma eternidade de lonjura, quilômetros, anos-luz. Os corpos em distâncias celestiais. A Terra tipo girando a uma velocidade estonteante, os planetas pendurados num universo infinito. Eles dizem: o universo como se sabe é um multiverso geométrico. Ele é plano e nós somos paisagem em super cordas paralelas dimensões não há uma teoria final de tudo. Às 5:10 a.m., eu pareço saber coisas divinas, eu sou uma pessoa do bem. Eu te desejo bem. Eu acho que you are so much better than you know. Mas essa é a canção número 3. Não, não é. Isso é apenas um fragmento, um lampejo, um raio, porque as suas lágrimas virtuais não deveriam doer, menino com muito amor. Mas se suas lágrimas caem, elas também me molham.  5:17 a.m. Termino a letra, e vem a música. E às 5:19 da manhã do dia 13 de setembro de 2010, eu compus um troço

Pergunta: Onde ficou aquele abraço?
Para onde foi aquele olhar?

Resposta: Seus pés nos meus,
Mão a acenar

Pergunta: Por quê aos amantes
A eles só sobram
Tristeza e pesar?

Resposta: Seus pés no chão,
Adeus a dar

Teve o amor, a casa, a cama
- Para onde vou?
- Para onde vamos?
- Estamos indo indo indo indo indo indo indo indo indo
- Estamos juntos juntos juntos juntos juntos juntos juntos

Pergunta: Para onde foi o seu pensar?
Sem você, como respirar?

Resposta: Meus passos nos teus,
Na casa a vagar

Pergunta: Como é vou te apagar
Igual fumaça a se liquidar?

Resposta: Meus passos no chão
Vão flutuar

Teve a porta, a chave, a escada
- Pra onde vai?
- Já não vamos
- Porque está indo indo indo indo indo indo indo indo indo?
- Porque estou só estou só estou só estou só

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Paraíso 1975 / 2011

e eu reinventar, ainda que depois da primeira explosão que criou combustão de gases luz estrelas corpos tudo e tudo o mais já tenha sido pronunciado, palavras fugidas e capturadas – encontradas pérolas, pérolas no fundo do mar, ainda que pronúncias sem vocábulos depois da explosão, apenas um hálito divino fez-se, e a primeira eterna palavra fez-se, e fez-se também um corpo de mulher de um sopro que foi palavra em sua essência primeira, ainda que o paraíso nos espere desde mil novecentos e setenta e cinco, e nos expulse na lapa carnaval, e que o amor palavra tenha nos carregado desde então em seus braços feitos de todos os amores errados de antes, errados porque certos, ainda que nos carregando de braço em braço, apenas para fazer nossos lábios se encontrarem naquele incrível ano de dois mil e onze, ainda que raízes (quero você (já)) , ainda que tudo e tudo o mais já tenha sido dito, reinventar, let it be, cause our soul put themselves in motion and the universe will support us in our evolution, e porque no princípio era o verbo, ainda que a invenção de uma outrapalavranossa de amor e não só, eu quero

domingo, 24 de abril de 2011

I am calling you

Alceu Valença canta Anunciação e Jevetta
Steele Bagdad Café

Hoje: a tragédia mágica da espera.

e
eu
estou
esperando
cair
do
céu

Asas.

Nós ficamos medindo qual amor era maior mas o que ele queria era limpar a casa

tipo: ela: o meu amor é muito grande
ele: o meu amor é muito muito muito grande
venci
ela: o meu amor é um trilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de anos-luz grande
...
ela: continua / que falta de imaginação
ele: ganhou
...
o meu amor é maior que todas as estrelas do universo multiplicado pelas gotas do oceano ( não publica isso )

Mas livre, eu ler o que quiser assistir ao que quiser
Me dispor a

Nós ficamos medindo
Um ao outro, agarrados estamos

Doentes e salvos.

Como apagar o monstro?

sábado, 23 de abril de 2011

Jongo, Baile Funk e Tráfico

Uma das formas que os escravos utilizavam para passar informacões importantes era cantando pontos dentro do Jongo. Os textos das letras do Jongo, em sua estrutura enigmática,  metafórica e improvisada, permitiam que os escravos falassem sobre assuntos dos quais não conseguiriam tratar diretamente entre si, como por exemplo detalhes de fuga ou organizacão de rebeliões. Não sei como esse sistema evoluiu dos "bailes" do jongo aos "bailes" funks cariocas e se nesse meio tempo surgiu alguma manifestacão que também usasse letras de música para passar informacões importantes, mas acontece que nos primórdios dos bailes nas favelas cariocas, também o tráfico se utilizou do encontro festivo para avisar da chegada de armas, drogas e outros "despachos" corriqueiros típicos desse tipo de negócio. Temos exemplo disso em várias cancões que foram registradas e são tocadas até hoje. Recentemente estive no baile da Mangueira e pude confirmar que não só a troca de informacões continua a mesma, clandestina, bela e sorrateira, como também as favelas são as senzalas do século 21, instituídas, institucionalizadas e feias. Não estou dizendo aqui nada de novo. Dos grandes sociólogos até aos filósofos de botequim, todos já fizeram essa analogia. Mas é chocante confirmar isso in loco. Assim como é estranho fazer uma viagem no tempo sem sair do lugar. E a danca da miséria continua, mudaram apenas os bailarinos.

Sem ter amor

feriado, mãe, inconveniência, ser assumida pro pessoal do "teatro", baile funk, praia, mangueira. e ele disse agora preciso sair. vou rezar. nos encontramos em santa?
e ela disse vai suave, vem.
e ela pensou o outro aquele outro vai achar que eu me aprisionei de novo mas felizmente não é esse o caso. eu não estou no mundo, o mundo é que está em mim.
e ele disse mas qual a importância do outro esse outro? e ela disse você é ele meu bem, uhu uu, meu bem, use a inteligência uma vez só.
e ele disse: quantos idiotas vivem só.